Alessandra Zechin Nascimento, de 52 anos, acredita que os processos seletivos estão cada vez mais robotizados e que os RHs precisam retomar o contato olho no olho

Aos 52 anos, Alessandra Zechin Nascimento decidiu “driblar” as inteligências artificiais das plataformas online de recrutamento e seleção e voltou a procurar emprego à moda antiga: olho no olho. A bacharel em Turismo foi até um semáforo no bairro da Vila Andrade, zona sul de São Paulo, em busca de trabalho após inúmeras frustrações com sites de ofertas de vagas.

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“No dia 16 de fevereiro, completei cinco meses sem atividade. Moro sozinha, em um apartamento alugado, e tenho que arcar com todas as despesas. Quando vim para cá, há três anos, estava em uma condição razoável, mas agora o tempo vai passando e fica cada vez mais difícil”, contou ao Band.com.br. Diante da ansiedade em se recolocar no mercado de trabalho, Alessandra decidiu ir novamente ao farol atrás de emprego.

“Em 2023, fui ao semáforo e, logo depois, consegui uma oportunidade em uma agência de turismo, onde permaneci por pouco mais de um ano. Foi minha primeira experiência nesse setor e, como desde 2018 trabalhei com hotelaria, resolvi retornar para essa área. Meu último trabalho foi em um hotel, onde fiquei seis meses. Foi muito gratificante, mas agora estou em busca de uma nova chance”, explicou.

“Percebi, no fim do ano passado, que havia poucas oportunidades, mas que os setores de Recursos Humanos voltaram a atuar com mais intensidade neste começo de ano. Candidatei-me a mais vagas, fui chamada para diversas entrevistas, mas algumas sequer tiveram retorno. O tempo passa, as contas chegam, e decidi tentar novamente o semáforo”, completou.

Desemprego no Brasil

De acordo com os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao último trimestre de 2024, a taxa de desemprego no Brasil foi de 6,2%, correspondendo a aproximadamente 6,8 milhões de pessoas sem trabalho. Este é o menor índice desde o trimestre encerrado em dezembro de 2014.

No entanto, o levantamento indicou que a taxa de desocupação entre as mulheres foi de 7,7%, enquanto para os homens foi de 5,3%. Considerando que o total de pessoas sem trabalho nesse período era de quase 7 milhões. Isso indica que cerca de 3,5 milhões de mulheres estavam desempregadas no país.

Além disso, o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) revelou que, em 2024, os jovens de 18 a 24 anos foram os mais beneficiados, com a criação de 1,22 milhão de vagas com carteira assinada. Em seguida, o grupo etário mais favorecido foi o de adolescentes entre 14 e 17 anos, incluindo estagiários e jovens aprendizes, com 318 mil admissões. Posteriormente, vieram os indivíduos de 25 a 29 anos, com 154 mil novas oportunidades.

No outro extremo da balança, menos favorecidas, estão as pessoas acima dos 50 anos, como é o caso de Alessandra.

Robotização dos processos seletivos

Parte da angústia da turismóloga durante o desemprego também se deve às novas formas de recrutamento. Muitas empresas utilizam inteligência artificial para classificar os candidatos nos processos seletivos, reduzindo o trabalho manual e humanizado na contratação.

Sou de uma época em que as pessoas interagiam mais, conversavam pessoalmente, não tinham celular e não dependiam tanto do computador. Entendo que milhares de candidatos disputam uma única vaga e que é inviável analisar individualmente cada perfil, mas os processos estão muito robotizados. Sinto falta desse contato direto.

Desde que voltou a buscar uma nova posição, a profissional participou de poucas entrevistas, mas garante seguir todas as orientações de especialistas em Recursos Humanos para tornar seu currículo mais atrativo.

“Sou formada em Turismo, bilíngue e acredito que tenho um perfil competitivo. Além disso, leio absolutamente tudo o que encontro no LinkedIn sobre como me portar em entrevistas, escrever um bom perfil e destacar minhas qualificações. Claro que acho essas dicas valiosas, mas admito que nem sempre funcionam para mim. Muitas vezes, nem chego à fase da entrevista e não recebo nenhum retorno sobre o motivo”, relatou.

Antigamente, os processos seletivos eram mais rápidos e diretos. Os recrutadores davam a oportunidade de conversar sem a necessidade de passar por inúmeras etapas e testes que, muitas vezes, sequer eram utilizados no trabalho.

Foi essa frustração com a automatização dos recrutamentos que a levou a se expor no semáforo. “O carinho das pessoas na rua, o contato humano, os desejos de boa sorte… tudo isso é muito gratificante. Quando você se aproxima dos outros sem precisar enfrentar uma série de testes e avaliações desnecessárias, a experiência se torna completamente diferente”, afirmou.

No dia seguinte à ida ao semáforo, Alessandra marcou cinco entrevistas, um número bastante superior ao que conseguiu proporcionalmente nos meses em que ficou em casa.

“Estou confiante de que, ainda neste mês, conseguirei um emprego. As entrevistas que consegui através do semáforo me deixaram muito esperançosa. Mas, se não der certo, volto lá com a minha plaquinha, não tenho vergonha. Não vou desistir”, declarou, emocionada.

Utilize a inteligência artificial a seu favor

Para evitar que frustrações como a de Alessandra se tornem recorrentes, Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), sugere que os candidatos otimizem seus currículos conforme as descrições das vagas às quais estão se candidatando.

“O primeiro passo é elaborar um currículo que atenda aos critérios dos algoritmos das plataformas de recrutamento. Então, considero válido utilizar a própria inteligência artificial para ajustar esse documento. Isso já ajudará a avançar para a próxima etapa, que geralmente são as entrevistas”, recomendou Eliane.

Embora o uso da tecnologia e dos sistemas automatizados só tenda a crescer, a especialista orienta os recrutadores a não perderem a abordagem humanizada na seleção. Para ela, inclusão e diversidade são essenciais para formar equipes estratégicas, equilibradas e eficientes na resolução de problemas.

“O preparo das lideranças é fundamental para conseguirmos integrar diferentes gerações. Não podemos nos limitar a um único perfil, pois cada um tem suas habilidades, independentemente de gênero, etnia ou idade. As pessoas estão vivendo mais e não existe mais esse conceito de que, aos 50 anos, elas devem se aposentar. Cabe aos profissionais de RH compreender que há espaço para todos”, explicou.

A presidente da ABRH entende que o grande número de candidatos por vaga impossibilita um retorno individualizado para cada um. No entanto, orienta que os recrutadores forneçam um feedback mais detalhado, pelo menos para aqueles que chegaram às últimas etapas dos processos.

O que dizem as plataformas?

No Brasil, os sites Gupy, Vagas.com e Catho estão entre as principais plataformas de recrutamento e seleção que conectam candidatos a oportunidades de trabalho. Consultadas, as plataformas afirmaram que oferecem as ferramentas, mas não são responsáveis por selecionar ou contratar ninguém. Segundo elas, cada empresa aplica seus próprios filtros nos sistemas, de acordo com a vaga divulgada.

Apesar disso, as três informaram que disponibilizam treinamentos e orientações sobre boas práticas para as equipes de recrutamento, visando ampliar a diversidade dos colaboradores e tornar as empresas mais inclusivas.

“A Gupy tem o compromisso de tornar o recrutamento mais eficaz, inclusivo e equitativo, sempre assegurando que a tecnologia seja uma aliada do RH, da gestão empresarial e dos profissionais candidatos. É fundamental destacar que a IA jamais elimina ou aprova participantes, nem toma qualquer decisão em nome da companhia que está contratando. Nossa inteligência artificial é programada para nunca considerar informações pessoais como gênero, orientação sexual, etnia, idade, entre outros fatores. Dessa forma, os recrutadores obtêm acesso a dados estruturados e podem tomar decisões mais precisas, sempre com a análise humana na fase final”, afirmou a plataforma em comunicado.

“A Vagas não realiza nenhum tipo de exclusão. Disponibilizamos um software para as organizações que segue a tecnologia IA + H, ou seja, a inteligência artificial combinada com o trabalho humano, pois nada substitui a presença de um profissional. Devido à grande quantidade de currículos por vaga, nossa IA apenas organiza e classifica cada participante conforme os requisitos da oportunidade. Quem determina os filtros para cada processo seletivo são os próprios recrutadores de cada empresa, e a Vagas não interfere nem se responsabiliza pelas decisões das corporações. Entretanto, oferecemos treinamentos contínuos com orientações sobre boas práticas para promover a inclusão e a diversidade”, destacou a porta-voz do setor de diversidade e inclusão da Vagas.com, Ariane Santana.

“A Catho adota princípios éticos para o desenvolvimento responsável de sua IA que é encarregada do algoritmo que contribui com a conexão entre o candidato e a empresa. Dessa forma, garantimos processos mais justos, transparentes e confiáveis. O nosso algoritmo não considera informações pessoais como gênero, idade e etnia ao calcular a compatibilidade entre currículos e vagas, focando apenas em critérios profissionais, como experiência, localização e habilidades. Inclusive, o preenchimento da data de nascimento é opcional, e não permitimos fotos nos currículos. Reiteramos nosso compromisso com um atendimento eficiente e humanizado. Contamos com uma equipe de profissionais dedicados ao suporte de candidatos e empresas, equilibrando tecnologia e interação personalizada para aprimorar a experiência dos usuários”, disse a Catho em nota.

créditos: Band.Com

Foto: Alessandra Zechin Nascimento

Arquivo pessoal