Crônicas do cotidiano: O Artista

OS TRÊS MACAQUINHOS

No filme belga francês “O Artista”, citado como “o filme mudo mais falado do
mundo” e que foi agraciado com 8 Oscar, possui uma cena em que o ator principal
George Valentin (Jean Dujardin), que teve sua carreira arruinada com a chegada do
cinema sonoro, manda que sejam levados a leilão seus objetos de arte, dentre eles os
famosos macacos, simbolizando um com as mãos na boca, outro com as mãos
vedando os olhos e o outro tapando os ouvidos.

Conheço esses macaquinhos que parecem representar uma simbologia em várias
partes do mundo. Lá em casa, na minha infância, havia um objeto de cerâmica ou de
metal, com os três macaquinhos. Quando vi a cena, retornei no tempo e depois
comecei a pensar no que representam.

Os três macacos, sábios ou místicos, provém de antigas lendas chinesas que se
difundiram no Japão no século VIII, estão representados em uma escultura de
madeira e poderia ser interpretado, também, por “Não digas tudo o que sabes. Não
olhes o que não deves e Não creias em tudo o que te dizem.

No filme o diretor em algumas cenas deu destaque a esse objeto.

Seriam as qualidades do ser humano, saber ser surdo para algo indelicado, que soe
mal, ser mudo procurando não ofender ou magoar as pessoas e, finalmente, cego para
não prejulgar, precipitadamente, sem checar os fatos? Pois nem tudo o que se vê ou
ouve poderá ser um fato real: falar e tomar uma decisão, baseada num julgamento
precipitado, poderá ser extremamente desastroso e se tornar irremediável a ação
desferida.

Os antigos possuem ditados populares que servem como dicionários de auto ajuda,
pois nesses textos ou objetos residem velhas verdades. Enfim, o material deveria ser
reunido e formado, em uma biblioteca, pelos ditados antigos dos povos. Haveria um
material de auto ajuda instantâneo e de uma sabedoria bastante valiosa, uma vez que
foram necessários séculos para, através de poucas palavras, dar um rumo, um toque
valioso e outras mensagens foram transformadas em objetos de arte, tal sua
sabedoria, vindo de pessoas que souberam refletir sobre o sofrimento humano e
deixar um registro que tem muitos merecimentos.

Em nosso tempo, com a dinâmica de mercado e as relações humanas se
transformando rapidamente, com tantas informações virtuais ao alcance de qualquer
um, os valores estão se alterando, as verdades dos outros se transformando em nossas
verdades, e isso é muito ruim e perigoso. Estamos nos tornando um plágio humano.

Viemos de uma geração que manteve suas pilastras culturais por séculos e,
exatamente, no nosso tempo, estas pilastras ruiram, abriram-se as portas de forma
escancarada para nossos filhos. Hoje oferecemos todos os recursos e benevolência
que não tivemos e, com isso, não há o valor da conquista pelos próprios méritos. A
sociedade está tomando um novo rumo, sentimo-nos muitas vezes perdidos e não
sabemos mais como lidar com as situações como se apresentam, seja no ambiente
familiar, profissional ou pessoal.

Somos chamados a tomar decisões na velocidade do mundo atual; Nem sempre
estamos prontos e aptos para as decisões instantâneas, pois temos de resolver muitas
coisas ao mesmo tempo.

Antes tínhamos um porto seguro que era alicerçado por atitudes claras, retas, de
nossos pais, família, governos com bons exemplos. Hoje nossa cabeça está a mil,
pois aquele velho e sólido laço familiar, aquela rígida e sólida formação das gerações
anteriores ruiram, sumiram e não temos com quem compartilhar muitas decisões.

Estamos por nossa conta e com sensação constante de desamparo.

O peso da responsabilidade de formar a geração do amanhã mudou muito. Antes
bastava tomar um velho rumo conhecido e referenciado pelos nossos pais: um
emprego, terminar os estudos básicos, médio e ensino superior, andar na linha,
constituir família e pronto. Nos dias atuais, parece que isso não é o suficiente,ou é
inadequado aos tempos modernos.

Vou transportar as características simbolizadas nos macaquinhos para o
comportamento humano; percebo o quanto é difícil reunir as três em uma só. Se já se
torna difícil o calar, imagine reunir o não ver e o calar. Tenho dúvida qual a mais
difícil de adotar, dentro das circunstâncias que exigem um desses posicionamentos.

É sempre um desafio saber o que fazer para não gerar remorso ou culpa. Espero viver
muitos anos e pretendo aprender e aprender a ter atitudes que sejam equilibradas e
que não gerem mal entendimento no outro. O fato de ficar tranquilo no que fala-se ou
cala-se, o que se vê e não se “enxerga” propositadamente, ou ouve-se e faz de conta
que não diz respeito, são palavras que deverão ser deixadas que o vento leve, já
sendo um ganho no bem viver.

Como cometesse erros na jornada… penso que saber usar bem esses símbolos é uma
façanha para os sábios que se aproximam da perfeição.

Como calar diante da atitude do outro que sufoca? Ou de algo que incomoda e é
engolido para não ferir o outro, não desgostá-lo, ou por temer até uma reação de
desprezo? Engolir as palavras e adoecer? Quantos não demonstram sintomas em
áreas mais frágeis do corpo, por ter engolido palavras e palavras? Falar sabe-se que é
curativo. Entretanto, as palavras são veículos que podem construir ou destruir, podem
incentivar ou fazer o outro sucumbir. Como aprender a falar o suficiente? Levam
vantagens quem fala pouco e observam mais? Tenho dúvidas. Às vezes a timidez é
um obstáculo na manifestação do que se deseja e, muitas vezes, o desejo precisa ser
manifestado, falado, para que o outro perceba, entenda e reaja. A sabedoria está no
que é falado, na forma de falar e no quando é dito. Peca-se muito em falar demais.

Quantas vezes em nome de uma certeza ou verdade particular cometem-se injustiça,
indelicadeza e mal estar no outro.

Sobre a visão: quantas vezes não se enxerga os fatos por defesa, por temer ficar
ferido (a) ? Quais as vantagens em não querer ver os fatos? E quando vê e distorce-se
o fato? Valerá a pena fazer de conta que não se está vendo? Há quem queira ver tudo.
Há diferença entre o ver e o enxergar, como se esta última ação seja movida por mais
alguma coisa, aquilo que está por trás, o algo mais, o que está além. O perigo está nas
suposições, enxergando o que não existe. Dizem que vê e interpreta-se pelo que há
dentro de cada um, como a sensibilidade e a experiência acumuladas.

Quanto ao escutar, ou não, vai acontecer pela seleção do que se quer ouvir. Para se
ter sanidade parece que não se deve ouvir tudo. Encher os ouvidos de músicas
inadequadas, barulhentas, de conversas vazias, fofocas, palavras desnecessárias é um
prejuízo para a mente sã.

Certa feita uma mãe começou a sentir o sintoma de surdez. Ela possuía dois filhos
adolescentes que ouviam som muito alto, brigavam muito. Fez todos os exames com
uma fonoaudióloga, inclusive audiometria, e sua audição era perfeita. Era “surda”
para o que não queria ouvir.

O símbolo do macaquinho cobrir os ouvidos aponta para a seleção do que deve ser
ouvido. É necessário às vezes dar uma de surdo (a) para que os ganhos interiores
sejam maiores.

David Viscott diz: “Na liberdade de sermos o melhor de nós mesmos, podemos
permitir que os outros sejam tudo quanto quiserem ser.” Desde que se possa tentar
aplicar as três características representadas nos macaquinhos, dependendo da
conveniência e das circunstâncias, parece que caminha-se para o crescimento, a paz
interior, favorecendo o outro a ser melhor.

Texto produzido em conjunto com a Escritora Edmea Kummer (http://edmeamelo.blogspot.com)

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