GUARULHOS TEM UMA DAS MAIORES TAXAS DE MORTES PELO COVID-19 DO PAÍS

Segunda cidade em número total de mortes por causa da covid-19 no estado de São Paulo, Guarulhos tem uma das maiores taxas de letalidade do estado. Com 4,49%, a taxa é maior que as do estado e do Brasil, ambas atualmente abaixo de 3%. O número por si só não sugere que de fato estão ocorrendo mais mortes na cidade, mas sim que a capacidade de testagem está baixa, muito provavelmente focada apenas nos casos internados, segundo especialistas ouvidos pelo UOL.

O município registra até sexta-feira (5), 47.156 casos confirmados de covid-19 e 2.119 óbitos, segundo boletim municipal —atrás apenas da capital paulista, que somava 18.930 mortes.

A letalidade é o cálculo de quantas pessoas morrem entre aquelas que contraem a doença (por causa da covid-19 ou algum problema decorrente dela). No ranking estadual, o município aparece depois de cidades menores como São Luiz do Paraitinga, Gastão Vidigal e outras com números ainda baixos de casos e óbitos.—o que distorce o cálculo, pois a proporção aumenta.

Para o infectologista da Rede D’Or São Luiz, Natanael Adiwardana, “a letalidade de 4,4% é extremamente elevada”.

“Para se ter noção do impacto desses números, em janeiro, o inquérito sorológico da cidade de São Paulo mostrava prevalência de aproximadamente 14% entre a população adulta”, diz ele. “Para uma população de 1 milhão de habitantes, se 14% da população fosse contaminada, teríamos 140 mil afetados. Destes, aproximadamente 5.600 viriam a falecer num curto período de tempo, seguindo essa letalidade.”

A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que a taxa real de letalidade da doença no mundo pode ser muito mais baixa: em torno de 0,6% —já vista na Alemanha com a doença controlada. Porém, a taxa mundial se encontra em 2,2%.

O estado de São Paulo atualmente tem uma letalidade de 2,9%, com 61.064 óbitos e 2.093.924 casos. Já o Brasil apresenta uma taxa de 2,4%, com mais de 250 mil mortos e 10 milhões de infectados.

Poucos testes

Segundo o professor Domingos Alves, líder do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da USP de Ribeirão Preto, a alta taxa de letalidade da cidade sugere que estão sendo feito poucos testes e a maioria em pessoas com estado grave da doença.

Esse indicador serve para isso. Se tem uma taxa de letalidade grande, mas com uma taxa de mortalidade menor, significa que estão testando pouco. Guarulhos está testando só quem está internando e provavelmente internando em estado grave.Domingos Alves, médico e pesquisador

Diferente da letalidade, a mortalidade é a divisão do número de mortos da doença pelo total da população da cidade. Nesse sentido, Guarulhos tem uma mortalidade considerada mais baixa, de 1,48 mortes para cada mil habitantes.

De acordo com a Prefeitura de Guarulhos, foram realizados pela rede municipal 30.670 testes RT-PCR —considerado o padrão-ouro, ou seja, com menos risco de dar falso-negativo— desde o início da pandemia até janeiro. Também foram feitos 48.844 testes rápidos em dois mutirões promovidos em agosto e outubro —considerados menos adequados para registro.

Com uma população acima de 1,3 milhão, o número total indica que foram feitos de 5.712 testes para cada 100 mil habitantes. Esse número cai para 2.203 se forem considerados apenas os testes RT-PCR. Muito abaixo do ideal para rastreio da doença.

Para efeito de comparação, até a semana passada, a cidade de São Paulo tinha feito 17.030 exames para cada 100 mil habitantes. Levantamento feito a pedido do UOL pela Info Tracker, plataforma criada pela USP e pela Unesp para monitorar a pandemia, a capital paulista fica em penúltimo lugar em um ranking com 12 cidades e centros urbanos pelo mundo —atrás de Nova York, Paris, Lima e Buenos Aires, por exemplo.

Dos testes RT-PCR realizados pelo município de Guarulhos, 10.797 tiveram resultado positivo, o que corresponde a uma taxa de positividade de 35%. Segundo Domingos Alves, essa porcentagem é semelhante ao das internações analisadas pelos pesquisadores.

“Estima-se que a taxa de internação esperada das pessoas que pegam covid-19 seja de 35%. Já a taxa de testagem aqui no Brasil gira em torno de 30% a 35% dos doentes. Isso significa que a grande maioria dos testes é feito em pessoas internadas.”

Para além de inflar a taxa de letalidade, a baixa testagem deixa de rastrear a maior parte dos contaminados. “Se a taxa de casos leves a moderados compreende maioria, algo em torno de 80% do total, pode-se ter uma noção da grande parcela de pouco sintomáticos que ainda perdemos a chance de testar”, complementa Natanael Adiwardana.

Vale ressaltar que a testagem é um problema em todo o território nacional desde o início da pandemia. Aqui no Brasil, são feitos poucos testes, priorizando apenas os casos sintomáticos —e nem sempre quem tem contato com os doentes, por exemplo. No ranking do site Wordometes, o país ocupa a posição 119º em testes para cada 1 milhão de habitantes.

“É uma política de enxugar gelo”, diz Domingos Alves.

Se você está fazendo o teste na grande maioria das pessoas que tem casos graves, o cenário que você está pintando é do que aconteceu e não do que vai acontecer.Domingos Alves, médico e pesquisador

Segundo os especialistas, dessa forma não se consegue fazer o acompanhamento de infectados e o rastreio de contactantes para que seja feito o isolamento adequado, o que continua alimentando a transmissão da doença.

O que diz a Prefeitura

O município de Guarulhos justifica os seus critérios de testagens alegando estar “em conformidade com a CIB 75” que é uma deliberação da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, que determina a testagem apenas para os casos sintomáticos.

Em nota, a Prefeitura disse que “Guarulhos é a maior cidade não capital do Brasil. Conta com bairros bastante populosos periféricos com grandes aglomerações humanas, o que propicia o avanço de doenças contagiosas. Mesmo assim, a cidade tem taxas de mortes por mil habitantes menores que muitos outros municípios da Grande São Paulo.”

Dados divergentes

Quem procurar pelos dados da cidade de Guarulhos no portal do governo estadual encontrará uma taxa de letalidade ainda mais preocupante: 5,9%. Isso porque o número de casos confirmados computados pelo estado são menores do que os informados pelo município. Em dezembro, o UOL destacou a divergência de dados entre o governo estadual e as cidades.

A Prefeitura de Guarulhos afirmou já ter questionado o Centro de Vigilância Epidemiológica Estadual pela divergência em abril e maio do ano passado, mas não obteve respostas.

Ao UOL, o governo estadual disse que “a diferença constatada pela reportagem com relação aos dados de Guarulhos pode ocorrer porque a equipe da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde realiza um trabalho de qualificação dos dados, com unificação de registros, a fim de evitar duplicidades relacionadas a uma mesma pessoa nas bases de dados dos sistemas oficiais. A distinção também pode estar relacionada à metodologia de análise”.

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