JOVEM BRASILEIRO LANÇA LIVRO COM A PRESENÇA DO PRESIDENTE DE PORTUGAL.

Quem é o jovem brasileiro que vendeu e autografou livro para o presidente de Portugal

Escritor Alexandre Ribeiro, que é de Diadema, no ABC paulista, mora na Alemanha atualmente graças a uma bolsa de trabalho social voluntário.

Por Letícia Macedo, G1

Jovem brasileiro vendeu e autografou livro para o presidente de Portugal

Jovem brasileiro vendeu e autografou livro para o presidente de Portugal

Na abertura da feira do livro da cidade do Porto, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, comprou um livro e ainda pediu um autógrafo para um jovem escritor de Diadema, cidade da Grande São Paulo.

Alexandre Ribeiro, de 22 anos, contou ao G1 que observou do estande onde estava o presidente se aproximar rodeado de seguranças e jornalistas. Já acostumado a vender seus livros de mão em mão, ele não hesitou em chamar a figura mais ilustre da feira.

“Quando eu chamei ‘professor Marcelo’, ele olhou para mim e as pessoas abriram espaço para ele se aproximar. Então, eu perguntei se podia apresentar a minha obra para ele. Ele me olhou e perguntou: tão novo assim já é escritor?” , contou o escritor

Ribeiro, que atualmente mora na Alemanha graças a uma bolsa de trabalho social voluntário, contou ao presidente um pouco sobre o romance “Reservado”, que foi lançado ainda no Brasil com recursos que ele conseguiu ao ter o seu projeto aprovado por um programa de incentivo à cultura do governo de São Paulo.

“Enquanto eu falava que era a história de um menino comum, com teor social, ele me interrompeu, de uma maneira respeitosa, pegou o livro da minha mão, disse queria iria comprar um e pediu que autografasse para ele”.

Escritor Alexandre Ribeiro autografa exemplar do seu livro 'Reservado' para o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a Feira de Livros do Porto — Foto: Alexandre Ribeiro/ Arquivo pessoal

Escritor Alexandre Ribeiro autografa exemplar do seu livro ‘Reservado’ para o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, durante a Feira de Livros do Porto — Foto: Alexandre Ribeiro/ Arquivo pessoal

O escritor deixava uma mensagem para o chefe de estado quando sentiu que ele lhe cutucava no ombro pedindo que incluísse ainda o seu número de celular. “Eu vou ler hoje e amanhã te ligo”, disse Sousa.

Uma semana depois, o presidente português ainda não fez contato, mas o jovem ainda tem esperança de receber um retorno.

“Estou impressionado como ele foi gentil, como foi carinhoso, atencioso e ao mesmo tempo muito humano. Essa é uma das características que mais me encanta nessa figura política do povo que tem que ser o presidente”, afirmou.

Menino da periferia

Alexandre Ribeiro mostra livro 'Reservado' na viela em que cresceu em Diadema, no ABC, em imagem de arquivo — Foto:  Lucas Sampaio/ Divulgação

Alexandre Ribeiro mostra livro ‘Reservado’ na viela em que cresceu em Diadema, no ABC, em imagem de arquivo — Foto: Lucas Sampaio.

O encontro com o presidente português é só mais uma das histórias que o jovem da periferia coleciona. Para ele, essa experiência na cidade turística do Porto foi “única, mágica, libertadora” para o menino da periferia, que cresceu rodeado pela violência da Favela da Torre, no Jardim Canhema, em Diadema.

“A primeira vez que não me senti acuado pela presença de policiais foi ao lado do presidente. Senti que se ele visse alguma injustiça, eu estaria protegido”, observou.

Alexandre perdeu o pai quando tinha 11 anos. O vigia de 39 anos foi vítima da H1N1. Ele provavelmente se infectou no trabalho, na região da avenida Luís Carlos Berrini, na zona sul de São Paulo, importante centro empresarial por onde circulam muitos estrangeiros.

“Meu pai não resistiu depois de ficar esperando 12 horas por atendimento no Quarteirão da Saúde [pronto-socorro de Diadema]. Foi uma tragédia. Fiquei sem chão”, conta.

Depois de passar um período desmotivado com os estudos, ele retomou um hábito da leitura que o pai tinha tentado incentivar de uma maneira bem-intencionada, mas pouco habilidosa.

“Meu pai gastou R$ 25 – um dinheiro que a gente nem tinha – em seis livros bíblicos que alguém passou vendendo na viela e me obrigava a ler antes de dormir. No começo, eu odiei experiência”, lembra.

Foi no ensino médio que retomou o hábito da leitura. “Foi aí que veio a memória afetiva do meu pai. Lia muita coisa nessa época: “Guia do mochileiro das galáxias”, do Douglas Adams, “Mundo de Sofia” [de Jostein Gaarder], Arthur Schopenhauer. A leitura abre os olhos para a literatura que você carrega em você”, conta.

Poesia

Ilustrações do livro 'Reservado', de Alexandre Ribeiro  — Foto: Lucas Sampaio/ Divulgação

Ilustrações do livro ‘Reservado’, de Alexandre Ribeiro — Foto: Lucas Sampaio/

A produção literária de Alexandre começou cedo, fazendo um retrato muito sensível da periferia em que vivia.

Aos 10 anos, ele escreveu “Moradia”, o seu primeiro poema. “Se chovesse dinheiro, eu daria para a Prefeitura para construir uma praça perto da minha casa”, afirmava ao deixar clara a falta de opções de lazer na sua região.

Aos 17 anos, ele começou a trabalhar como assistente de produção no Laboratório Fantasma – empresa do rapper Emicida. Aos 19 anos, ele lançou o livro de poesias “Inflorescência”.

Em um dos poemas, ele diz que é “complicado falar de política”. “Muitas vezes se fala e nós nem sabemos. Por exemplo, nas esquinas da sua casa tem três biqueiras e a biblioteca mais próxima fica a 3 km. Política é você escolher um livro e fazer diferente”.

Ida para a Alemanha

Cerca de dois meses depois de publicar o primeiro livro, ainda em 2018, ele viu na internet o anúncio de uma bolsa para fazer trabalho voluntário na Alemanha por um ano.

pré-requisito que exigia falar um pouco de alemão não o assustou. “Aprender o básico não vai ser tão difícil para quem conseguiu vencer a pobreza, vencer a violência”, pensou.

E deu certo. Alexandre buscou um app e chegou à entrevista capaz de conversar por mais de meia hora com a selecionadora alemã, que lhe concedeu a bolsa. O problema, então, foi que a bolsa cobria 80% das despesas e ainda lhe faltavam cerca de R$ 8 mil para poder embarcar.

A solução foi se empenhar nas vendas do seu livro de poesias, com o qual passou a divulgar também uma campanha de arrecadação de ajuda online. Foram mais de 2 mil exemplares vendidos nas ruas. O esforço deu certo e ele seguiu para Osnabrück, no norte da Alemanha, para trabalhar com jovens com deficiência, enquanto se especializa no idioma.

‘Reservado’

Escritor Alexandre Ribeiro já começou a escrever seu segundo romance — Foto: Lucas Sampaio/ Divulgação

Escritor Alexandre Ribeiro já começou a escrever seu segundo romance — Foto: Lucas Sampaio/ Divulgação

Depois de ter ganhado a bolsa, o projeto do seu primeiro romance, “Reservado”, foi selecionado pelo Programa de Ação Cultural do governo de São Paulo (o Proac).

Alexandre passou, então, a trabalhar em seu novo livro 12 horas por dia para contar a história de João Victor, um menino da periferia, que, como ele, tem a “cor do talvez” – maneira poética como Alexandre se refere aos “não brancos”.

O “livro ato político”, como Alexandre define sua obra, gira em torno da palavra reservado. “João Victor é um menino reservado, comum, que tinha um sonho de andar em um ônibus reservado. Na viagem da palavra e do ônibus, o livro conta a realidade das periferias”.

Em 2019, Alexandre levou o seu romance, traduzido para o inglês, para a Feira de Livros de Frankfurt, um dos eventos literários mais importantes do mundo. Em 2020, recebeu um convite de um coletivo que leva escritores independentes para participar da Feira do Porto.

‘Da quebrada pro mundo’

Alexandre ainda não sabe se volta ao Brasil. O plano original era que tivesse regressado em agosto. Por causa da pandemia, ele acabou buscando uma nova bolsa, que terminará em janeiro de 2021.

O escritor quer lançar o seu segundo romance “Da quebrada pro mundo”, inspirado no seu relacionamento com a sua companheira alemã, que ele conheceu em uma praia de Salvador.

“Morador da periferia vai conhecendo o mundo, e a cada lugar que ele passa também deixa um pouquinho da sua quebrada

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