Presidente da Câmara Miguel Martello entra com recurso na Justiça sobre a Proguaru.

EXCELENTÍSSIMO PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL
ELEITORAL DE SÃO PAULO

  • Processo-Protocolo nª 912/2021
    FAUSTO MIGUEL MARTELLO, brasileiro,
    casado, empresário, detentor do mandato eletivo de vereador e
    investido no cargo de Presidente da Câmara Municipal de
    Guarulhos, vem com o habitual respeito perante Vossa Excelência,
    com fundamento no Art. 132, do Regimento Interno do Tribunal
    Regional Eleitoral de São Paulo, interpor Recurso Administrativo ao
    Plenário deste Egrégio Tribunal, em face da decisão que indeferiu a
    realização de consulta popular na modalidade referendo.
    Requer-se, desde já, o processamento do
    presente Recurso Administrativo ao Órgão Pleno deste Egrégio
    Tribunal.

Guarulhos, 08 de setembro de 2021.
FAUSTO MIGUEL MARTELLO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE GUARULHOS

EXCELENTÍSSIMOS DESEMBARGADORES DO PLENÁRIO DO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO
EGRÉGIO COLEGIADO

  • Trata-se de recurso interposto a este ínclito
    colegiado, com fulcro no Art. 132 do Regimento Interno deste
    Tribunal, em razão da decisão proferida pelo seu Excelentíssimo
    Presidente, que indeferiu o pedido de realização de referendo
    proposto pelo recorrente.
    O teor da decisão é a seguinte:
    “Vistos.
    Trata-se de pedido de realização de referendo no
    Município de Guarulhos/SP, formulado pelo D. Presidente da Câmara
    Municipal daquela localidade.
    Sustenta, em suma, que o art. 6º da Lei n. 9.709/98
    confere aos Municípios a competência para disciplinar a realização de
    plebiscito e referendo sobre temas locais, e que, nesse contexto, a Lei
    Orgânica de Guarulhos determina que “são obrigatoriamente
    submetidas a referendo popular as leis, e emendas à Lei Orgânica até
    01 (um) ano após a sua promulgação, quando assim requererem 1%
    (um por cento) do eleitorado”.
    Sustenta, também, que foi protocolada naquela Casa
    legislativa a documentação contendo as assinaturas de 14.730
    eleitores, o que atende ao percentual, visando à realização de
    consulta popular sobre a Lei Municipal n. 7.879/20, “que autoriza o
    Poder Executivo a adotar providências necessárias à dissolução,
    liquidação e extinção da Progresso e Desenvolvimento de Guarulhos
    S/A – PROGUARU”

 

  • Sustenta, ainda, que referida Lei foi promulgada em
    21/12/2020, estando, portanto, dentro do prazo de um ano para
    submissão ao referendo, nos termos da Lei Orgânica.
    Pede, em suma, a realização do referendo no Município
    de Guarulhos.
    Por sua vez, o Município de Guarulhos, por intermédio
    de seu Prefeito, protocolou o Ofício n. 161/2021, pelo qual junta
    documentos e aduz que o pedido formulado pelo Presidente da
    Câmara Municipal não poderia ser acolhido, tendo em vista a
    ocorrência de falha procedimental, a ausência de interesse e a
    impossibilidade jurídica do pedido.
    Sustenta, nesse aspecto, que, nos termos da Lei
    Orgânica do Município de Guarulhos e do Regimento Interno da
    Câmara Municipal, a realização do referendo depende de prévia
    edição de Decreto Legislativo.
    Sustenta, a propósito, que “o ordenamento jurídico
    municipal é uníssono ao dispor que a realização de referendo e
    convocação de plebiscito é de competência do Poder Legislativo e
    deve ser proposto pela Mesa e deliberado pelo Plenário, editando-se o
    pertinente Decreto Legislativo, o que não ocorreu no caso em
    comento”.
    Sustenta, ademais, que a Lei Municipal nº 7.879/20,
    objeto do pedido de referendo, seria autorizativa, no sentido de
    que “seus efeitos se exaurem assim que o Prefeito adotar as
    providências atinentes à dissolução, liquidação e extinção da
    PROGUARU”[1].
    Sustenta, ainda, que já foi editado o Decreto nesse
    sentido (Decreto n. 38.316/21), de sorte que se exauriram os efeitos
    da Lei Municipal em questão, o que impossibilita a realização do
    referendo.
    Pede, em suma, o indeferimento do pedido formulado
    pelo Presidente da Câmara Municipal.
    É, em síntese, o relatório.

 

  • Importa observar, de início, que o presente pedido, por
    ora[2], não comporta acolhimento, haja vista a inobservância de
    requisito formal.
    No caso em tela, o pedido foi formulado pelo D.
    Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos, em caráter individual,
    sem a prévia e indispensável deliberação pela Casa Legislativa.
    Embora o requerimento esteja fundamentado no art. 36
    da Lei Orgânica[3], o qual, em princípio, parece sugerir que a
    assinatura de 1% do eleitorado seja suficiente para determinar a
    realização do referendo, na verdade a implementação da consulta
    popular requer e edição de Decreto Legislativo, conclusão a que se
    chega pela interpretação sistemática da própria Lei Orgânica do
    Município de Guarulhos.
    Há que se considerar, a propósito, que o art. 12 da
    referida Lei Orgânica assim dispõe:
    Art. 12. À Câmara compete, privativamente, as
    seguintes atribuições:
    […]
    XI – autorizar referendo e convocar plebiscito;
    XII – deliberar, mediante resolução, sobre assuntos
    de sua economia interna, e, nos demais casos de sua
    competência privativa, por meio de decreto legislativo.
    Por outro lado, o art. 51 da mesma Lei estabelece:
    Art. 51. O decreto legislativo destina-se a regular
    matéria de competência exclusiva da Câmara, que
    produza efeitos externos, independendo de sanção do Prefeito.
    Parágrafo único. O projeto de decreto
    legislativo, aprovado pelo Plenário, em um só turno de votação,
    será promulgado pelo Presidente da Câmara.
    Em suma, pelo que se extrai da Lei Orgânica do
    Município de Guarulhos, a autorização para realização de referendo
    integra a competência privativa da Câmara Municipal, a qual é exercida por meio de Decreto Legislativo, com a indispensável
    aprovação em Plenário.
    A propósito, essa interpretação se revela harmônica com
    toda a sistemática que envolve a realização da consulta popular em
    questão, no sentido de que a autorização depende de deliberação da
    Casa Legislativa, valendo destacar, inclusive, que, no âmbito federal, a
    autorização de referendo reclama a subscrição de, no mínimo, 1/3 dos
    Membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional (art. 3º da
    Lei n. 9.709/98).
    Insta consignar, ademais, que, embora a iniciativa
    popular, o plebiscito e o referendo constituam mecanismos de
    democracia participativa, são institutos inconfundíveis. A própria
    Constituição Federal, ao discipliná-los, estabelece que a competência
    para autorizar referendo e convocar plebiscito é exclusiva do Poder
    Legislativo (art. 49, XV), ao passo que a iniciativa popular se
    materializa pela apresentação de projetos de lei ao Poder Legislativo,
    subscritos por uma parcela do eleitorado (art. 61, § 2º).
    No mesmo sentido, o art. 13 da Lei n. 9.709/98
    estabelece que a iniciativa popular consiste na apresentação de
    projeto de lei à respectiva Casa Legislativa, não se prestando,
    portanto, à autorização de realização das consultas populares ora
    referidas.
    Nesse contexto, impõe-se concluir que o art. 36 da Lei
    Orgânica de Guarulhos não pode ser interpretado de forma isolada,
    devendo ser examinado de forma sistemática com os demais
    dispositivos daquela Lei e, sobretudo, à luz das diretrizes traçadas
    pela Constituição Federal.
    Por conseguinte, o citado dispositivo não é apto, por si
    só, a determinar a realização de referendo sem a prévia deliberação
    do Plenário da Câmara Municipal, com a consequente expedição de
    Decreto Legislativo.
    Finalmente, insta consignar que, ainda que o pedido em
    tela venha a ser corrigido em seu aspecto formal, a eventual
    realização do referendo somente poderá ocorrer de forma simultâneacom as próximas eleições ordinárias, nos termos do art. 4º da Res.
    TSE n. 23.385/2012, in verbis:
    Art. 4º A consulta popular a que se refere esta resolução
    realizar-se-á, por sufrágio universal e voto direto e secreto,
    concomitantemente com o primeiro turno das eleições ordinárias
    subsequentes à edição do ato convocatório.
    Face ao exposto, indefiro, por ora, o processamento do
    presente pedido, facultando-se ao digno requerente adotar as
    providências necessárias ao saneamento do vício formal e renovar o
    pedido perante este E. Tribunal Regional Eleitoral.
    Fica prejudicada a análise dos aspectos jurídicos
    suscitados pelo D. Prefeito, notadamente quanto ao exaurimento da
    Lei Municipal nº 7.879/2020 e a consequente impossibilidade jurídica
    do pedido, cabendo ao Poder Legislativo local deliberar sobre a
    questão, por ocasião da eventual discussão e edição do Decreto
    Legislativo, caso persista o interesse na realização do referendo.
    Oficie-se, com cópia desta r. decisão:
    a) ao D. Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos,
    restituindo-lhe o expediente físico em análise, a ser retirado na
    Secretaria desta Corte Regional;
    b) ao D. Prefeito de Guarulhos.
    Após, arquive-se o presente processo SEI.”
    São Paulo, 03 de setembro de 2021.
    NUEVO CAMPOS
    Presidente
    A irresignação diante da decisão,
    respeitosamente, será doravante demonstrada.

I – DO CABIMENTO DA PEÇA RECURSAL

  • O pleito de realização de referendo afeta-se à
    atividade administrativa do Tribunal, posto que não se está diante
    de processo judicial e propriamente a uma lide, mas interposição de
    pretensão meramente administrativa, visando a realização do
    referendo.
    O recorrente apenas desempenhou atividade
    administrativa, na realização de um juízo de prelibação acerca dos
    requisitos estampados na lei, precisamente, o Art. 36 da Lei
    Orgânica do Município de Guarulhos.
    Não há, portanto, existência de lide a ser
    contornada por processo judicial.
    Por seu turno, a decisão do Presidente do
    Tribunal Regional Eleitoral guarda idêntica natureza, verificação
    quanto a existência dos pressupostos legais à realização do
    referendo, igualmente, um juízo de admissibilidade.
    Neste aspecto, a dedução de inconformismo
    diante da decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de
    São Paulo encontra guarida no Regimento Interno, a saber:
    Art. 132-Dos atos de natureza administrativa
    de competência originária do Presidente e do
    Corregedor caberá recurso para o Plenário
    do Tribunal no prazo de 10 (dez) dias, salvo
    se houver disposição legal específica em
    sentido diverso, nos termos da Lei nº
    9.784, de 29 de janeiro de 1999

 

  • Em razão da natureza da decisão que
    indeferiu a realização do referendo, o recorrente oferece nesta peça,
    as razões da sua irresignação perante ao Órgão Pleno do Egrégio
    Tribunal.
    II – DAS RAZÕES DE MÉRITO
    II.a – DA NATUREZA JURÍDICA DA DEMOCRACIA SEMIDIRETA E
    DIREITO A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
    O Referendo, instrumento de consulta
    popular, encontra-se plasmado na ordem jurídica nacional, no Art.
    14, II, da Constituição Federal, regulamentado na Lei nº 9.709/98, e
    no âmbito local, no Art. 36 da Lei Orgânica do Município.
    A previsão constitucional de realização de
    referendo – espécie de consulta popular – advém da adoção pela
    República Federativa do Brasil do regime político democrático
    semidireto, conforme preceitua o parágrafo único do Art. 1º da
    Constituição Federal.
    A doutrina discorre sobre a característica da
    democracia brasileira:
    “…os constituintes optaram por um
    modelo de democracia representativa
    que tem como sujeitos principais os
    partidos políticos, que vão ser os
    protagonistas quase exclusivos do jogo
    político, com temperos de princípios e institutos de participação direta dos
    cidadãos no processo decisório
    governamental.
    …e participação por via direta do
    cidadão (exercício direto do poder, art.
    1º, parágrafo único; iniciativa popular,
    referendo e plebiscito…
    (grifou-se)

 

  • Afirma-se, pois, que o Art. 1º da Constituição
    Federal, obviamente o dispositivo inaugural da Carta Republicana
    nacional, impôs o poder popular (“Todo Poder emana do povo”); a
    democracia direta (“diretamente”) e; a democracia representativa
    (“representantes eleitos”).
    Pode-se destacar, assim, que a República
    Federativa do Brasil adotou a democracia semidireta, e neste
    sentido, reconheceu como pilar do sistema democrático o povo,
    afigurando-se como detentor exclusivo do Poder, no entanto o seu
    exercício se dá por representação parlamentar (assemblear, cameral
    e congressual) ou diretamente, na instituição de mecanismos
    jurídico-constitucionais permissivos às decisões políticas sem a
    intermediação dos representantes eleitos (iniciativa popular,
    plebiscito e referendo).
    Não se pode admitir que os dispositivos
    normativos constantes na Constituição Federal estejam ordenados
    de modo aleatório, mas, sob o enfoque topográfico, a previsão do
    poder popular localizar-se no frontispício do Texto Constitucional
    está a indicar que os dispositivos constitucionais subsequentes
  • In. Curso de Direito Constitucional Positivo, José Afonso da Silva, Malheiros Editores, 26ª
  • edição, páginas 145/146.guardam obediência ao mandamento nuclear constante no seu Art.

1º . Texto Constitucional inseriu os direitos
políticos na categoria de direitos e garantias fundamentais, portanto
atribuindo-lhes valor relevante. Na topografia constitucional, os
direitos políticos alocam-se no Capítulo IV, do Título II dos Direitos e
Garantias e Fundamentais.
Neste aspecto, cabe transcrever o conceito de
direitos fundamentais, a saber:
“Direitos fundamentais são o conjunto
de normas, princípios, prerrogativas,
deveres e institutos, inerentes à
soberania popular, que garantem a
convivência pacífica, digna, livre, e
igualitária, independentemente de
credo, raça, origem, cor, condição
econômica ou status social”

Nota-se, pois, que a expressão “soberania
popular” atrela-se a ideia de exercício de direitos políticos, portanto
categorizado como direito fundamental.

A doutrina narra sobre a categoria de direitos
políticos como direito fundamental, in verbis:

“Há quem situe essa categoria de
direitos fundamentais ao lado das
referentes aos direitos de defesa e aos
direitos a prestação. Seria constituída
pelos direitos orientados a garantir a
participação dos cidadãos na formação
da vontade do País, correspondendo ao
capítulo da Constituição Federal
relativo aos direitos políticos”.

Nota-se a relevância que a Constituição
Federal reservou aos direitos políticos, que além de introduzi-los no
quadrante dos direitos e garantias fundamentais, reforçou o ideário
trazido pelo seu Art. 1º, ao instituir instrumentos de democracia
direta no Art. 14, redundando-se na previsão da iniciativa popular,
plebiscito e referendo.

A doutrina robustece o aqui alegado:
“Os direitos políticos abrangem o direito
ao sufrágio, que se materializa no
direito de votar, de participar da
organização da vontade estatal e no
direito de ser votado. Como anota
Romanelli Silva, no ordenamento
jurídico brasileiro, o sufrágio abrange o
direito de voto, mas vai além dele, ao
permitir que os titulares exerçam o poder por meio de participação em
plebiscitos, referendos e iniciativa
popular”

 

O regime político implantado pela
Constituição Federal de 1988 foi a democracia semidireta, portanto
o direito ao sufrágio, de caráter universal, aponta que além da
escolha de representantes, o povo – titular do Poder- poderá
exercer este direito diretamente.
Resta translúcido que o referendo se coloca
como instituto de natureza constitucional, disposto como direito ao
sufrágio universal, nos termos do Art. 14, da Constituição Federal.
Cabe, pois, conceituar o referendo:

“Consulta feita ao eleitorado depois de
a lei ou ato administrativo serem
elaborados, para que confirmem ou
rejeitem”

“ O referendo é uma consulta feita aos
eleitores sobre uma questão ou sobre
um texto através de um procedimento
formal regulado na lei (procedimento
referendário). A iniciativa do referendo
pode pertencer aos órgãos do Estado
(governo, deputados) ou um certo número de cidadãos (iniciativa
popular)”

 

A Lei nº 9.709/98, que regulamenta o Art. 14,
da Constituição Federal no que toca a realização do plebiscito e do
referendo, assim descreve:
“Art. 2º Plebiscito e referendo são
consultas formuladas ao povo para que
delibere sobre matéria de acentuada
relevância, de natureza constitucional,
legislativa ou administrativa.

o O referendo é convocado com
posterioridade a ato legislativo ou
administrativo, cumprindo ao povo a
respectiva ratificação ou rejeição. “

A Lei nº 9709/98, além de conceituar o
referendo, disciplinou seu modo de realização, e nesta esteira,
remeteu aos Estados e Municípios, cada qual, respeitada a
competência demarcada constitucionalmente, disciplinar o plebiscito
e o referendo, na seguinte forma:

“Art. 6
o Nas demais questões, de
competência dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, o plebiscito e 

o referendo serão convocados de
conformidade, respectivamente, com a
Constituição Estadual e com a Lei
Orgânica.”

Vale dizer, que o dispositivo legal precitado
alinha-se à Constituição Federal, posto que atribui aos Municípios
autonomia como ente federativo e capacidade de autoorganização, conforme redação do Texto Maior:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei
orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos membros
da Câmara Municipal, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes
preceitos:
Reluz-se como certeira interpretação, que a
Constituição Federal atribuiu capacidade de auto-organização dos
Municípios com regras estampadas na Lei Orgânica, e esta,
disciplinará as matérias reservadas constitucionalmente na esfera da
competência municipal, e neste sentido, o Art. 6º da Lei nº 9709/98
remeteu aos Municípios, em total obediência ao pacto federativo
estabelecido pela Carta Magna, a instituição do plebiscito e do
referendo nas respectivas Leis Orgânicas.

Vale dizer, que o dispositivo legal precitado
alinha-se à Constituição Federal, posto que atribui aos Municípios
autonomia como ente federativo e capacidade de autoorganização, conforme redação do Texto Maior:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei
orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e
aprovada por dois terços dos membros
da Câmara Municipal, que a promulgará,
atendidos os princípios estabelecidos
nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado e os seguintes
preceitos:
Reluz-se como certeira interpretação, que a
Constituição Federal atribuiu capacidade de auto-organização dos
Municípios com regras estampadas na Lei Orgânica, e esta,
disciplinará as matérias reservadas constitucionalmente na esfera da
competência municipal, e neste sentido, o Art. 6º da Lei nº 9709/98
remeteu aos Municípios, em total obediência ao pacto federativo
estabelecido pela Carta Magna, a instituição do plebiscito e do
referendo nas respectivas Leis Orgânicas. Estados e Municípios e do Distrito
Federal. O segundo, mais preciso,
acentua que a organização políticoadministrativa do Estado Federal
brasileiro, compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos
termos da própria Constituição”.
7

Estabelecido está que a Constituição Federal
reservou aos Municípios a capacidade de auto-organização,
mediante a instituição da Lei Orgânica, conforme preconiza o seu
Art. 29.
Passa-se, pois, a examinar o instituto do
referendo na Lei Orgânica do Município de Guarulhos, a saber:

Art. 36. São obrigatoriamente
submetidas a referendo popular as leis,
e emendas à Lei Orgânica até 01 (um)
ano após a sua promulgação, quando
assim requererem 1% (um por cento) do
eleitorado.
Parágrafo único. O requerimento será
dirigido à Câmara Municipal que emitirá
parecer e encaminhará em 30 (trinta)

dias o pedido ao Tribunal Regional
Eleitoral para organizar o referendo nos
60 (sessenta) dias seguintes.

Observa-se, assim, que a Lei Orgânica do
Município de Guarulhos acentuou e contemplou o direito ao
sufrágio, ao prever que a consulta popular por meio do referendo
seja deflagrada por iniciativa popular.

O eleitorado local poderá requerer ao Poder
Legislativo local, desde que o façam no patamar mínimo de 1% (um
por cento), e a lei ou emenda à Lei Orgânica não ultrapasse, sob o
aspecto temporal, vigência superior ao um ano.
Desta forma, o dispositivo precitado alinha-se
ao Texto Constitucional, pois disciplina a realização de referendo
sobre lei ou Emenda à Lei Orgânica por meio da iniciativa popular,
ambos institutos previstos no Art. 14 da Constituição Federal.
II.b – DAS ESPÉCIES DE REFERENDO NA LEI ORGÂNICA DO
MUNICÍPIO – DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR E POR INICIATIVA
POPULAR
Equivoca-se, data maxima venia, a
fundamentação exposta pelo decisium, que culminou no
indeferimento à realização do referendo no Município de Guarulhos,
pois sustenta que a sua realização submete-se à deliberação
parlamentar provida pelo Poder Legislativo guarulhense.

No ordenamento jurídico guarulhense
subsistem-se duas modalidades convocatórias de referendo. A
previsão contida no Art. 12, XI, e outra modalidade, prevista no Art.
36, ambos disciplinados na Lei Orgânica do Município de Guarulhos.
Em resumo, como prelúdio a argumentação
para motivar o pedido de reforma, o referendo a que alude o Art.
12, XI, depende para a sua realização, de deliberação parlamentar;
o referendo veiculado no Art. 36, prescinde de deliberação popular,
exclusivamente.
De fato, a interpretação sistemática consiste
em observar que uma dada norma não pode ser vista de maneira
isolada, mas em harmonia com o sistema jurídico, que se constitui
em arcabouço de normas.
No entanto, ao se aplicar a interpretação
sistemática, que em última análise remete à harmonização do
sistema jurídico, depreende-se que a Lei Orgânica do Município
prevê hipótese bifronte de convocação do referendo: por
deliberação parlamentar (Art. 12, XI, e; deliberação popular (Art.
36).
Demonstra-se, aqui, que a proposta para a
realização de referendo pertence em caráter exclusivo a Mesa
Diretora do Poder Legislativo, conforme preceitua o Regimento
Interno:
Art. 52. Compete à Mesa, dentre outras
atribuições estabelecidas em lei, neste
Regimento ou em Resolução da Câmara, ou
delas implicitamente decorrentes, a direção

dos trabalhos legislativos e dos serviços
administrativos da Casa, bem como:

II – propor projetos de decreto legislativo
dispondo sobre:

c) autorização para realização de referendo e
convocação de plebiscito. (grifou-se)

A título ilustrativo, utiliza-se de exemplo que a
Lei Municipal nº 7979/2020, que extinguiu a Proguaru, pode ser
objeto de proposta de realização de referendo, de autoria da Mesa
Diretora, nos termos do Art. 12, XI, da Lei Orgânica do Município e
do Art. 52, II, “c”, do Regimento Interno da Câmara Municipal de
Guarulhos, o que não afasta e exclui, a convocação de referendo
pela iniciativa popular, nesta hipótese, à vista do Art. 36 da Lei
Orgânica do Município.

Desta forma, é forçoso concluir que a
intepretação que mais atrela-se a aplicação hermenêutica do
princípio da interpretação sistemática, para não se subverter o
sistema jurídico municipal, reside no ideário que o Art. 12, XI da Lei
Orgânica do Município de Guarulhos, c/c o Art. 52, II, “c”, do
Regimento Interno da Câmara Municipal de Guarulhos alberga a
convocação de referendo por deliberação parlamentar, de proposta
da Mesa Diretora. De outro giro, resta previsto, hipótese de
convocação de referendo por deliberação popular, admitindo-se
que o Art. 36, da Lei Orgânica do Município de Guarulhos franqueia
a um por cento do eleitorado (iniciativa popular) pleitear a
realização do referendo.
De mais a mais, entender-se que a deliberação
popular, hipótese prevista no Art. 36, da Lei Orgânica do Município submeta-se a chancela do Parlamento, acarreta em interpretação
violadora do Art. 1º, da CF, em impor frenagem indevida à vontade
popular, até porque a taxatividade do dispositivo está a demonstrar
que o referendo se fará por iniciativa de 1% dos eleitores.
Trocando em miúdos, uma singela premissa
desfecha o tema: se a Lei Orgânica do Município estabelece a
iniciativa popular para se propor a realização do referendo, ou seja,
o titular do Poder (povo), na realização da democracia direta, deve
requerer autorização parlamentar que, na exata medida, são seus
representantes, mostra-se incompatível no plano lógico-jurídico. 

Reforça-se ainda a argumentação precitada, a
aplicação de princípios constitucionais, que albergam o permissivo
para a realização do referendo por iniciativa popular.
Descreve-se os princípios constitucionais:

“A ideia do princípio da supremacia
constitucional advém da constatação de que a
constituição é soberana dentro do
ordenamento (paramountcy). Por isso, todos
as demais leis e atos normativos a ela devem
adequar-se.

E, no nível mais elevado do Direito Positivo,
está a constituição, que é o parâmetro, a lei
fundamental do Estado, a rainha de todas as
leis e atos normativos, a lexlegum ( lei das
leis)

“Princípio da máxima efetividade, também
chamado de princípio da eficiência
interpretativa ou de interpretação efetiva, seu
objetivo é imprimir eficácia social ou
efetividade às normas constitucionais,
extraindo-lhes o maior conteúdo possível,
principalmente em matéria de direitos
humanos fundamentais”9

Traz-se a colação o princípio da supremacia
constitucional, para asseverar que a consagração e efetividade do
sufrágio universal leva a aplicar-se a medida jurídica que mais
contemple os valores constitucionais, neste caso, aliando-se a
aplicação do princípio da máxima efetividade, privilegiar-se a
realização de instrumentos de democracia direta contempla os
aludidos princípios, seja porque o Art. 1ª, parágrafo único da CF
abarca o poder popular e que sua realização possa realizar-se
diretamente, seja pela razão que os direitos políticos categorizam-se
como direitos fundamentais, o que justifica a sua preponderância
em relação a outros valores constitucionais.
Reforça-se a ideia de que a Lei Orgânica do
Município convive com dupla modalidade de convocação de
referendo, a ser contrastar o seu Art. 36, com as disposições contidas
no Projeto de Lei nº 3961/ 2019, que tramita no Senado Federal:

PROJETO DE LEI Nº 3961, DE 2019
(Da Sra. Eliziane Gama)

Altera a Lei nº 9.709, de 18 de
novembro de 1998, que
regulamenta a execução do
disposto nos incisos I, II e III, do art.
14 da Constituição Federal, para
incluir os cidadãos entre os
legitimados para a apresentação de
projeto de decreto legislativo
visando à convocação de plebiscito
e referendo. O Congresso Nacional
decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, que
regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III, do art. 14 da
Constituição Federal.

Art. 2º Os arts. 3º e 13 da Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998,
passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 3° Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder
Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3º do art. 18 da
Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados
mediante decreto legislativo, por:

I – proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem
qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta
Lei;

I – iniciativa popular.” (NR) SF/19098.97947-02 2
“Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei
ou de decreto legislativo, nos termos do art. 3º, à Câmara dos Deputados subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado
nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de
três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

§ 1º O projeto de lei ou de decreto legislativo, originado de iniciativa
popular, deverá circunscrever-se a um só assunto.

§ 2º O projeto de lei ou de decreto legislativo, originado de iniciativa
popular, não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara
dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de
eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação
Há de se ponderar que os dispositivos
constantes na Lei nª 9.709/98 guardam natureza híbrida quanto a
sua amplitude, posto que, em alguns de seus dispositivos têm
natureza de lei federal e nacional.

Apenas a título meramente conceitual,
considera-se lei nacional aquela lei que atinge os três entes
federados (União, Estado e Município), e lei federal é aquela que
possui incidência apenas no âmbito federal, sem que atinja as
demais esferas citadas.

Tal assertiva, sustenta-se, na compreensão de
que a distinção encontra respaldo diante da repartição de
competências no corpo da Constituição Federal, respaldado
sobretudo na imposição do pacto federativo, onde os entes
federativos encontram-se me patamar de igualdade dentro da
Federação, distinguindo-se apenas, nos campos de atuação
demarcados pelo próprio Texto Constitucional.

Nesta esteira, afirma-se que o Art. 6º, da Lei
Federal nº 9.709/98 inclui-se conceitualmente ao que se denomina de lei nacional, pois remete, sob amparo das normas constitucionais,
que Estados e Municípios disciplinem, sob o prisma da capacidade
de auto-organização, a realização de consulta popular sob a
modalidade de plebiscito e referendo.

Por sua vez, o Art. 13, do mesmo diploma legal,
utilizado como fundamento da decisão ora combatida, enfeixa-se
ao conceito de lei federal, posto que, disciplina a iniciativa popular
na esfera federal.

A assertiva acima exposta resguarda-se sob
análise lógico-jurídica, já que o projeto de lei nº 3961/2019 pretende
instituir a convocação de plebiscito e referendo por meio de
iniciativa popular, quando pretende reformar a redação atual do
Art. 13, da Lei nº 9.709/98.

Porém, não há impeditivo legal e sobretudo
constitucional, que Estados e Municípios prevejam, sustentados sob o
princípio do pacto federativo e da capacidade auto-organização
outorgada pela Lei Maior, a previsão de realização de plebiscito e
referendo por iniciativa popular.

No fecho argumentativo, admitir-se que a
proposta de referendo por deliberação popular, no Município de
Guarulhos, dependa para sua realização de autorização
parlamentar, consistiria em tolher o conteúdo normativo do Art. 36,
da Lei Orgânica do Município, e ainda, contrariar os princípios
constitucionais precitados, sobretudo, culminaria em aviltar a
titularidade da soberania popular.
Aliás, não discrepa do entendimento aqui
exposto, a decisão proferida pelo M.M. Juízo da 2ª Vara da Fazenda
Pública da Comarca de Guarulhos, na ação de mandado de
segurança, sob o nº 1032099-81.2021.8.26.0224, interposta por
parlamentar do Poder Legislativo de Guarulhos. No entanto, tal decisão está acobertada pelo segredo de justiça, o que impede a
transcrição do trecho decisório que remete à ideia aqui sustentada,
na existência de dupla deliberação de referendo, autônomos, uma
por deliberação parlamentar, outra, emanada da vontade popular.

III – DA SÍNTESE CONCLUSIVA

Discorrer-se-á de maneira sintética e
conclusiva sobre a juridicidade da realização do referendo nos
moldes do Art. 36, da Lei Orgânica do Município de Guarulhos.
O ordenamento jurídico assim dispõe sobre o
tema:

a) O Art. 1ª, da Constituição Federal, assevera
que a República Federativa do Brasil se
alicerça em um Estado Democrático de
Direito, e prevê o povo como titular do
Poder, a representação política se dá,
diretamente (democracia direta), ou por
seus representantes (democracia
representativa);
b) O Art. 14, II da Constituição Federal
elenca o referendo como mecanismo de
exercício do sufrágio universal;

c) A Lei nº 9.709/98 regulamenta o Art. 14, da
Constituição Federal. No seu Art. 6º,
franqueia aos Municípios a disciplinar a
instituição de plebiscito e referendo. Tal
dispositivo legal, conforma-se com o Art. 29,
da Constituição Federal, que atribui aos
Municípios, ente federativo, a capacidade
de auto-organização por meio de
instituição de Lei Orgânica, já o Art. 13 da
Lei nº 9.709/98, tem alcance de incidência
restrito à esfera federal, não se aplicando ao
Município de Guarulhos;

d) No âmbito do Município de Guarulhos, no
exercício da capacidade de autoorganização contemplado pela Constituição
Federal, a Lei Orgânica do Município prevê
duas espécies de realização de referendo:
pela deliberação parlamentar, nos termos
do seu Art. 12, XI, c/c com o Art. 52, II, “c”,
Regimento Interno e; pela deliberação
popular, conforme previsto no Art. 36, da
Lei Orgânica;

IV – DO PEDIDO

Diante do alegado e de tudo que consta nos
autos, requer-se, estribado no Art. 132, do Regimento Interno do
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo:

O acolhimento do recurso administrativo, para
que este Egrégio Tribunal organize e realize o referendo, nos termos
do Art. 4º, da Resolução nº 23.385 de 2012, com fundamento de
validade nos. Arts. 1º, 14, II e 29, da Constituição Federal; do Art. 6º,
da Lei nº 9.709/98 e; do Art. 36, da Lei Orgânica do Município de
Guarulhos.

Nestes termos,

Pede e espera deferimento.

Guarulhos, 08 de setembro de 2021.

FAUSTO MIGUEL MARTELLO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE GUARULHOS

JEFFERSON CORREIA LIMA
PROCURADOR-GERAL DO LEGISLATIVO
OAB/SP: 156.560

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